O COMEÇO DE TUDO

Oi,

é o seguinte, meu povo. No último post, eu comentei sobre "ser escritor. Aí, vai um trecho do livro Viver não Preciso - minha primeira experiência no ramo literário. Penso numa reedição para esse ano. Vamos que vamos...

UM ESTRANHO NA SALA



Os dias que antecederam sua chegada foram agitados. Todo mundo imaginava mil e uma coisas. As expectativas eram grandes. Sabíamos de sua chegada, mas não sabíamos como ele era de verdade. Quando ele chegou lá em casa foi uma festa daquelas.
Minha mãe foi quem mais se empolgou. Abriu um sorriso de orelha a orelha. Ele era tudo o que ela queira. Para minha mãe, a chegada dele representava uma mudança radical. Nós estávamos subindo de posição social, ela dizia. Com ele, nossa família tinha atingido um novo padrão de vida. O passado era passado, e ele era o futuro. Tamanho poder só podia resultar em uma coisa: ele teria todo o poder dentro de casa. Logo o falatório começou:
“Não deita nele, menino!”
“Você tá rolando nele, para com isso!”
“Olha o braço dele, cuidado!”
“Tira esses pés imundos dele, agora!”
“Ai, meu Deus, vocês vão destruir ele.”
Não podia isso, não podia aquilo. Eu já tava com raiva dele. Queria chutá-lo, xingá-lo ou cuspir nele, mas minha mãe estava sempre de olho. Ele era muito importante para ela.
Ela o ganhou de presente do meu pai. Nem era nenhuma data especial, no entanto ele quis fazer uma surpresa – na verdade, acho que meu pai queria se livrar da ladainha da minha mãe. Ela vivia reclamando que não tinha um troço daquele.
Minha mãe o achava a coisa mais linda do mundo. Talvez fosse naquela época, porque hoje, seria considerado horroroso. Brega, feio, hediondo e de mau gosto. Quem o visse hoje usaria essas características.
Ele era verde. Verde mofo, assim meio desbotado, sabe? Também tinha umas flores em relevo, gravadas no plástico frio e duro que era chamado de napa. Pavoroso!
Porém, verdade seja dita: ele tinha uma espumazinha macia, fofa, gostosa. Naquela época, ele era a oitava maravilha do mundo, ou pelo menos, a primeira maravilha lá de casa. Pra gente, ele era confortável, afinal, estávamos acostumados com bancos de madeira.
Houve um tempo em que ele era tudo que uma mãe mais queria na sala. Era o sofá dos sonhos de 5 em cada 5 donas de casa. Aliás, ele não era um sofá puro e simplesmente, não, era um conjunto. Três peças. Três sofás: um grande com três lugares e dois pequenos de um lugar cada. Última moda. Um luxo a que poucas famílias tinham acesso.
Era caro. Caro, não, caríssimo. Para levá-lo para casa, meu pai precisou assinar algumas promissórias na loja (não havia carnê naquela época).
O dia em que ele foi deixado lá em casa foi um dia de festa. Não demorou muito e uma revolução começou.
- Chega a televisão pro outro lado.
- Não, aí não, deixa ele do lado de cá.
- Aí vai bater sol. Desbota.
- Mais? Ele já é todo desbotado mesmo. Olha que cor feia – eu disse, mas ninguém me deu assunto.
- Aí num ficou bom, não. Acho que ficava melhor do outro lado. Ou seria melhor desse lado de cá, mesmo? Ai, que dúvida!
Foi um dia inteiro de mexe daqui, mexe dali. A sala toda acabou alterada.
Primeiro minha mãe trocou o tapete porque vermelho não combinava com o verde do sofá. Não demorou muito para as cortinas antigas irem parar no meu quarto. A sala ganharia novas cortinas que combinariam com o sofá, claro.
Quando tudo parecia calmo, então, minha mãe resolveu implicar com a televisão.
- Ai, essa televisão, num sei não, vai acabar estragando o meu sofá.
- Como a televisão vai estragar o sofá? – eu quis saber – ela nem senta nele. Quem senta nele é a gente.
- Esse é o problema, agora todo mundo só quer sentar no sofá pra ver televisão.
- Ué, mas onde a gente vai sentar, então? – perguntou minha irmã.
- Não sei. Senta no chão! – sugeriu minha mãe.
- Eu gosto de sentar nele – falei.
- Você e todo mundo... Vamos ter que dar um jeito nisso. Do jeito que tá num dá.
O que ela estava dizendo era verdade, todo mundo só queria saber de sentar no sofá. Depois que ele chegou, ninguém quis saber dos banquinhos de madeira duros e desconfortáveis. O Cassino do Chacrinha ficou muito mais divertido quando passamos a vê-lo esparramados no sofá.
Para desespero da minha mãe, eu comecei a comer no sofá, a tomar café nele, fazia meu dever de casa usando-o como mesinha de apoio.
- Vai sujar de comida.
- Num vai, não, eu tomo cuidado.
- Vai cair suco.
- Num vai, não, eu bebo direitinho.
- Vai manchar.
- Já vou sair...
- Vai melar de molho de tomate.
- Eu já terminei de comer...
- Vou ter que esfregar com sabão depois...
Minha mãe ficava tensa com medo de que a gente destruísse o precioso sofá dela. O que ela não imaginava era que o pior estava por vir: um dia, minha mãe estava lá toda feliz, cantando que só ela mesma e passando paninho no sofá. Passa de cá, passa de lá. Susto! Ela viu aquilo. A visão que mudaria tudo. Lá estava ela, bem pequenininha, era só o começo, mas estava lá: uma rachadura, quase invisível, mas estava lá. Foi um dia de tristeza. Minha mãe entrou em desespero. Colocou um pouco de supercola. O plástico ressecou e a rachadura aumentou, ela ficou de cabelo em pé.
- O que é que eu vou fazer agora? Meu sofazinho tão bonitinho...
- Bonitinho ele num é não...
- Tão macio e fofinho – ela continuou.
- Ah, isso ele é mesmo – concordei.
- Agora tá rachando! É terrível! Tô arrasada!
Arrasada ela tava mesmo, mas não havia nada que se pudesse fazer. Dia após dia, a rachadura só aumentava. Uma tragédia se anunciava na minha casa.
Minha mãe aproveitou a situação pra mostrar todo seu talento dramático. Limpava a casa, tirava o pó, mas se recusava a olhar para o sofá. Dizia que era muita dor. Não sei onde, pois a rachadura era no objeto e não nela. De vez em quando, ela ficava parada olhando para ele. Acho que ela esperava um milagre, ou coisa parecida. Mas o milagre não veio.
Os dias se passaram e eu achei que minha tinha se tocado de que não tinha solução. Então, numa sexta-feira, depois da aula, cheguei em casa e vi minha mãe toda sorridente. Achei que meu pai tinha comprado outro sofá.
Corri para sala para ver o novo objeto, mas só vi o velho e bom sofá verde. No entanto havia algo diferente. Um tecido. Minha mãe havia jogado uma espécie de forro sobre o sofá.
- Viu só? Num ficou lindo? Agora ninguém vai notar que tá rachado!
Olhei para o forro que imitava pele de onça.
- Lindo? É estranho!
 - Eu amei essa estampa de oncinha – disse minha mãe – acho até que vou mudar a decoração da sala para combinar com ela. Primeiro quero trocar o tapete, depois, acho que posso mudar essas cortinas também...
E assim, começou tudo outra vez...

Comentários

Anônimo disse…
Massa

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