A HIPOCRISIA NOSSA DE CADA DIA, AMÉM!
Lá no início dos anos 90, quando comecei minha carreira (ainda muito jovem, visto que era pobrezinho e precisava me sustentar), fui trabalhar em uma escola do bairro Céu Azul - que naquele tempo pertencia ao município de Luziânia.
Éramos quase todos moradores de Luzi City e trabalhando na Escola Municipal Antônio Bueno de Azevedo, pegávamos ônibus às 6h para estarmos na escola às 6h40 (e olha que o trânsito era tranquilo) e às 7h já estávamos em sala de aula.
Todo dia, dia após dia, a mesma repetição. Ainda me lembro de uma colega, que chamarei de Fulana - não quero processo, cuja rotina era marcada pela fé, que ela jurava ter. Como boa católica, que ela jurava ser, Fulana fazia quase todo o percurso entre Luziânia e Céu Azul rezando seu velho e bom terço. Um objeto bonitinho, feito de madeira e (segundo ela) abençoado pelo bispo em pessoa.
O mais intrigante no comportamento de minha amiga Fulana nem era o fato de ela "rezar o terço" todos os dias; mas sim, as pequenas interrupções que ela fazia. Enquanto Fulana fazia sua prece matinal, nós - os outros funcionários - falávamos das coisas mais variadas: da novela ao preço do feijão, do cansaço daquela viagem ao preço do arroz e, claro, da vida das outras pessoas. E era nesse memento que Fulana mostrava toda sua capacidade de concentração. Bastava ouvir o nome de alguém conhecido e o terço era deixado de lado por alguns segundos.
- Viram que a senhora da limpeza ignorou o pedido do diretor? - questionava uma colega.
- Menina, eu vi! - dizia Fulana, virando-se para trás para participar da fofoca - Eu achei o fim do mundo. Quem ela pensa que é? Mas quer saber? Nunca confiei naquela lá... perigosa.
E assim a viagem seguia, Fulana tinha uma capacidade fantástica de interromper suas preces, disparar um rosário (desculpa o trocadilho) completo sobre a vida de todo mundo e retomar sua reza do ponto exato onde havia parado.
O mais interessante acontecia no final da viagem, com a gente indo em bando por uma estradinha de terra em direção à escola. Depois de passar uns bons minutos fofocando e falando mal da vida alheia, Fulana segurava firme o terço de madeira abençoado pelo bispo em pessoa, beijava-o com devoção e repetia a mesma frase por dois anos inteiros.
- Graças a Deus fiz minha prece matinal, hoje sou uma pessoa melhor do que era ontem. Obrigado, Senhor, por não me deixar pecar, amém!
Aharom Avelino
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